terça-feira, 16 de setembro de 2008

Livre-arbítrio e aborto

Saem os embriões, entram em cena os anencéfalos. Apesar de os personagens serem outros, para mim a questão fundamental continua a mesma. Do jeito como estão sendo conduzidos os debates promovidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), até parece que a descriminalização do aborto nesses casos obrigaria todas as mães nesse caso a interromperem a gestação.

Depois de ter a anencefalia do feto constatada, uma mulher chamada Mônica decidiu ter a filha, de acordo com a notícia publicada pelo jornal Folha de S. Paulo. Na época, ela poderia ter interrompido a gravidez sob proteção de uma liminar expedida pelo ministro Ministro Marco Aurélio que permitia o aborto sem a necessidade de uma autorização judicial. Segundo suas próprias palavras, durante a gravidez Mônica "não teve esse sofrimento estúpido como se diz por aí", referindo-se ao sofrimento das mulheres que não podem interromper a gravidez.

Veja só que coisa. Essa moça teve seu direito respeitado. Ninguém a obrigou a abortar. Mas ela considera estúpido o sofrimento de quem não sente ou sentiu a mesma coisa que ela. E defende uma lei que obriga mulheres que sentem de modo diferente que ela a manter uma gravidez que as martiriza. E, como ela, outros defensores da restrição ao aborto nesses casos.

De novo, me pergunto: que direito um grupo de pessoas tem de impor sua vontade sobre outras? Cada um que siga a sua consciência. Afinal, só nós mesmos sabemos como lidar com nosso próprio sofrimento.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Nós não estamos preparados é para vencer

Ronaldinho apareceu depois do jogo em que levamos uma surra - em todos os sentidos - da Argentina dizendo que nós, brasileiros, não estamos preparados para perder. Discordo de nosso ilustre craque. Na verdade, caro Ronaldinho, nós não estamos preparados para ganhar.

A maior parte de nós, brasileiros, tem a triste mania de fazer as coisas nas "coxas". Ou, para ser mais polida, no improviso. Só que medalha de ouro não se ganha no improviso. Ganha quem é extremamente profissional, quem tem muita disciplina, quem se dedica muito ao treinamento, quem está disposto a abrir mão de muitas coisas - e não só da diversão - para treinar, treinar e treinar. Que o diga nosso nadador vencedor César Cielo.

Cielo não foi às Olimpíadas de última hora. Ele se mudou para os EUA há anos para se preparar, e muito bem, para alcançar seu objetivo - a medalha de ouro. E ela veio, em recompensa ao seu esforço, às suas privações, à sua determinação. Só por isso. Simples assim. Ou alguém acha que os atletas de China, EUA, Reino Unido e Rússia, só para citar alguns exemplos, se preparam nas coxas, sem apoio, confiando apenas no seu talento natural?

Talentos nós temos, mas só desabrocham aqueles que, individualmente, investem o máximo em si. Aqueles que contam com famílias dispostas a investir na preparação de seus filhos, já que a política nacional para o esporte é uma piada - na verdade, inexistente. No futebol pode ser que o amadorismo dos cartolas não interfira tanto (do que duvido muito), mas nos demais esportes não tem jeito. Ou há uma intensa preparação, investimentos contínuos, ou não ganharemos nada. Não é à toa que a maioria dos nossos medalhistas olímpicos, com exceção do vôlei, em geral vivem e treinam fora do país - e por conta própria.

O Brasil só vai deixar de ser um país inexpressivo nos esportes se cuidar dessa área com profissionalismo. Essa foi a razão pela qual a Argentina, que também não é nenhuma grande potência esportiva, vai disputar a medalha de ouro no futebol. Porque levou a sério a preparação para as Olimpíadas, da mesma forma como está levando a sério a preparação para a Copa do Mundo. O Brasil? Continua confiando nos talentos individuais, na sorte, no improviso. E isso, infelizmente, acontece em todas as esferas: nos esportes, na política, na economia, na vida corporativa.

É bom ter flexibilidade, ter jogo de cintura para lidar com os imprevistos, mas só improvisar é sinal de falta de profissionalismo, é atuar "nas coxas". O resultado? Derrotas. E não adianta arrumar desculpas. Nós precisamos aprender a vencer.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Trânsito e bárbarie

Ontem, voltando para casa pela avendia Rebouças, uma das mais movimentadas de São Paulo, dei de cara com a cena mais bizarra que já vi no trânsito da cidade: um carro com apenas duas rodas no chão; por baixo dele, outro automóvel. Não parei para ver o que tinha acontecido, mas com certeza não se tratava de um malabarismo ou um evento qualquer. Pelo local do "acidente" - o final da alameda Lorena, onde não há farol e duas faixas viram uma para dar acesso à Rebouças -, os carros acabaram engalfinhados porque os dois resolveram desafiar uma lei básica da física e decidiram ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo.

E ali, por volta das 19 hs, em pleno horário do rush paulistano, foi erigido um monumento inusitado ao egoísmo e à bárbarie que impera no trânsito paulistano. Se os motoristas não são capazes sequer de dar passagem a um outro veículo, mesmo tendo plena consciência do risco de acidente, não é de estranhar que um motorista atropele uma pessoa em plena avenida Nove de Julho e fuja sem prestar socorro.

Com certeza, as pessoas estão se desumanizando ao entrar dentro de seus automóveis. "Vestem-se"com suas máquinas e passam a enxergar o outro não como ser humano, mas como uma coisa também. E, assim, acham-se no direito de fazer qualquer coisa - o que, infelizmente, inclui ferir e matar impunemente.

É, acho que é o fim do mundo mesmo. Socorro!

terça-feira, 1 de abril de 2008

Polêmica dos embriões: o buraco é mais embaixo

Já ando cansada de ler os diferente artigos a favor e contra o uso de embriões congelados para uso em pesquisa com células-tronco. E essa é uma discussão que nunca terá fim. Sempre haverá os que defenderão o direito à vida do embrião e os que preferirão ficar ao lado da ciência e sua luta em diminuir o sofrimento humano de pessoas já nascidas. Tal como em futebol, religião e gosto, que, segundo a sabedoria popular, não se discutem.

O que me espanta em tudo isso é que ninguém coloca em pauta uma questão que é anterior e, de fato, a responsável pelo surgimento de toda essa polêmica: a fertilização in vitro. Hoje, só existem embriões congelados porque milhares de casais se submeteram a essa técnica para poder ter filhos. Se não houvesse embriões, não haveria a possibilidade de usá-los para pesquisas. Simples assim.

Por que razão não vejo um simpatizante de qualquer religião ou jurista discutir se é correto gerar embriões por métodos artificiais? Afinal, o subproduto dessa técnica são milhares de embriões abandonados nas clínicas de fertilização, condenados a ficar congelados para sempre, já que descartá-los é considerado crime. Por que ninguém se insurge contra isso? Eles não são considerados seres vivos? Então, é correto manter seres vivos congelados para sempre? E a responsabilidade dos casais que geraram esses embrrões? Não deveriam ser cobrados por essa atitude, como as milhares de mulheres que se submetem a abortos por não quererem gerar um bebê não desejado?

Também nesse caso, tal como no do aborto - que todos sabemos que é tratado de forma diferente de acordo com as condições financeiras da mulher -, é o dinheiro que fala mais alto. Casais pobres inférteis não produzem embriões que ficarão congelados ou serão usados para pesquisas. São aqueles com condições de pagar pelo alto custo desse tratamento que alimentam esse mercado, que movimenta recursos significativos.

Para acabar com essa polêmica, uma opção seria tornar a fertilização in vitro uma prática ilegal, tal qual o aborto. Afinal, em última instância, as duas práticas são contra a lei da natureza - e, no meu entender, contra os dogmas religiosos. Além disso, para cada criança que efetivamente nasce a partir da fertilização in vitro, vários embriões acabam destinados ao congelamento. E aí, o que fazer com eles? Mantê-los congelados ad eternum? E como será essa realidade dentro de alguns anos, já que cada vez mais casais se submetem ao procedimento? Teremos um problema ambiental de proporções assustadoras, olhando a questão por um ângulo pessimista.

A outa opção, mais lógica, é legalizar todas essas práticas, inclusive a pesquisa com células-tronco. Aí, caberá à consciência de cada um a decisão de se submeter ou não a qualquer uma delas.

terça-feira, 4 de março de 2008

Religião x Ciência (e um pouco de compaixão)

O julgamento do STF sobre o uso de embriões para as pesquisas com células-tronco tem causado polêmica. Como sempre, ressurge a eterna briga entre os defensores da ciência e da religião.

Na minha opinião, a questão é muito simples. O ponto aqui não é a eterna discussão sobre quando começa a vida. cada um, conforme sua crença, pode ter uma opinião diferente, já que não há evidências científicas irrefutáveis sobre o tema. O que está em jogo é o direito ao livre-arbítrio - princípio aceito e professado pela maioria das religiões. Se cada um tem direito a escolher o caminho que quiser, por que, num Estado laico como é o Brasil, temos que obrigar a todos a seguir uma crença?

Não sou a favor do aborto, ao contrário. Mas, da mesma forma, não sou a favor de impor os princípios da minha religião a quem quer que seja. Para mim, é isso o que deveria ser discutido. Se há pessoas que não acreditam em Deus, por que eu deveria impor a elas regras que não têm nada a ver com o que acreditam?

Se uma pessoa que sofre de uma doença degenerativa e sua consciência está tranquila com o fato de a cura para seu sofrimento vir de pesquisas realizadas com células tiradas de embriões que seriam descartados, que direito tenho eu de dizer que ela não pode ser beneficiada por esses estudos?

Eu também não concordo com a idéia de realizar fertilização in vitro. Da mesma forma como não realizaria um aborto, nunca me submeteria a um tratamento para engravidar. Com certeza, optaria pela adoção caso não pudesse ter tido minha filha de forma natural. E isso me daria o direito de impedir dezenas de casais de tentar realizar o sonho de ter um filho biológico?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O complexo de inferioridade nacional

E Tropa de Elite, depois de fazer um sucesso estrondoso nos cinemas brasileiros, ganha o Urso de Ouro no Festival de Berlim. Era de se imaginar que essa conquista seria comemorada com entusiasmo aqui. Certo?

Pois é. O que vi nos jornais e em conversas com amigos foi uma malhação do filme. De repente, Tropa de Elite passou a ser considerado um fime sem importância, fraco, pouco relevante. Ou seja, não merecia ganhar um prêmio tão importante. "Com certeza, havia filmes melhores no festival", foi o que ouvi.

Com base nessa mudança de postura drástica e em episódios semelhantes, só posso concluir uma coisa: nós, brasileiros, sofremos de um complexo de inferioridade crônico. não confiamos em nosso próprio julgamento nem acreditamos ser capazes de criar obras ou obter conquistas reconhecidas internacionalmente. Com exceção dos esportes (se bem que também malhamos nossos vencedores sempre que temos oportunidade), somos os primeiros a empurrar para baixo os compatriotas que conseguem se destacar.

Oras, alguém viu a Sophia Loren fazer careta ao ver que A Vida é Bela ganhara o Oscar de melhor filme estrangeiro, embora todo mundo soubesse que Central do Brasil era um filme muito superior? Mas com certeza haveria brasileiros malhando a obra de Walter Salles se ela tivesse levado a estatueta, da mesma forma como fizeram com Tropa de Elite.

Realmente, enquanto não melhorarmos nossa auto-estima como país, vamos continuar acreditando que merecemos a posição medíocre que ocupamos no cenário mundial e não faremos nada para explorar o potencial e os talentos que temos em abundância. E nos contentaremos em ter governantes ignorantes e corruptos e uma elite provinciana, que acha bonito copiar o que se faz nas ruas de Nova York e Paris, embora a vista das suas janelas seja bem diferente do que se vê na Quinta Avenida e no Champs-Élysées. Aliás, como bem mostram Tropa de Elite e Central do Brasil.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Humildade

Outro dia uma amiga estava reclamando que estava deprimida. Tinha sido demitida do emprego e não estava mais aguentando ficar em casa. Até aí, tudo bem. O único porém é que lhe haviam oferecido um trabalho, mas o salário não compensava sair de casa, segundo ela. E seguia na sua depressão.

Nesse momento, me lembrei de uma outra amiga. Ela também foi demitida, numa dessas movimentações políticas típicas (e injustas) de grandes empresas. Só que, ao contrário, resolveu arregaçar as mangas e ir à luta. Apesar de ter uma condição financeira melhor que a outra amiga, queria se manter ativa e, com humildade, aceitou todos os trabalhos que lhe foram oferecidos, mesmo aqueles que estavam aquém da sua capacidade. Muitos estranhavam que uma pessoa que havia ocupado cargos de gestão aceitasse tarefas de execução, mas ela não se importava. O importante era trabalhar.
O resultado: enquanto a amiga do início continua desempregada e deprimida, reclamando da sorte, a outra recebeu uma boa proposta de trabalho e está feliz, produzindo como nunca.

Claro que é importante que a gente tenha consciência do nosso valor. No entanto, orgulho demais não leva a nada. Que nos confirme alguns dos maiores empresários deste país. Todos eles têm em comum o fato de terem subido cada degrau da escada rumo ao seu sonho, aceitando com humildade as dificuldades e colocando a mão na massa sempre que necessário. Em contraposição, existem várias pessoas que, para manter as aparências e o status, passam as maiores dificuldades porque se recusam a se submeter a tarefas que consideram pouco dignas da sua posição.

Quem é mais feliz? Seguramente, quem corre atrás do seu sonho sem se preocupar com o que os outros vão pensar.