sábado, 26 de setembro de 2009

Pais, filhos e o amor

Esta semana li dois textos sobre a relação entre pais e filhos - um da Rosely Sayão e outro do Contardo Calligaris. Embora tratem do tema por ângulos diferentes, o que fica claro é que essa é uma relação muito complexa, ainda mais por estar tão cercada de mitos e idealização.

Concordo plenamente com ambos. Antes, ter filhos era inevitável para a maior parte dos casais e ninguém se questionava muito se era capaz ou não de criá-los de uma maneira saudável. Eles vinham e pronto (e tem gente que ainda faz isso hoje!). Atualmente, para muita gente, ter um filho é poder assumir o papel central de um espetáculo, que ocorre durante toda a gravidez e culmina no parto - envolvendo festas, filmagens, compras e outros eventos. E também não se reflete a respeito do que é educar uma criança no mundo hoje. O importante é gerar e exibir.

Em ambos os casos, o problema é o que vem depois, como bem mostram os dois autores. A realidade é bem mais dura do que se imagina. Criar filhos dá um trabalho enorme, envolve uma boa dose de sacrifício e doação, para o qual nem todo mundo - aliás, me atrevo a dizer, a maioria - não está preparado. E há um agravante: ao contrário do que diz o senso comum, o amor entre pais e filhos não é incondicional. Precisa ser construído, cultivado, como em todas as relações. Daí a falta de paciência dos pais em educar seus filhos, como mostra Rosely, daí as leis para punir pais que abandonem "afetivamente" seus filhos ou vice-versa, de que fala Contardo.

Como, de fato, as sequelas de um relacionamento afetivo difícil com os pais são muito sérias, considero a paternidade/maternidade uma das maiores - senão a maior - responsabilidade que uma pessoa pode ter. Por isso, deveria ser objeto de profunda reflexão antes de se conceber um filho. Pena que não se pode fazer com candidatos a pais biológicos o que se faz com candidatos a pais adotivos - uma avaliação minuciosa da sua capacidade de criar um filho. Com certeza haveria menos filhos abandonados "afetivamente" por aí. E de pais abandonados "afetivamente" por seus filhos na velhice.

Pelo menos, deveria haver mais bom senso e responsabilidade ao lidar com esse tema, tanto por parte de homens quanto de mulheres. Ter um filho não deveria ser nem um espetáculo nem um acaso na vida de ninguém. Deveria ser uma decisão consciente, pensada, ponderada, para que a maternidade/paternidade se aproximasse, o máximo possível, da maravilhosa realização afetiva a que tanto aspiramos.

domingo, 13 de setembro de 2009

O excesso do politicamente correto

Não sei quem inventou essa moda de politicamente correto - que, aliás, se tornou mais uma praga. Concordo que a gente tem de se preocupar em respeitar as pessoas, mas daí a ficar patrulhando tudo o que os outros fazem também já é demais. O pior é que, com os recursos tecnológicos que temos hoje à disposição, esse patrulhamento chega, muitas vezes, às raias do ridículo.

Nem uma piada inocente se pode fazer sem que o povo caia matando em cima. Não me refiro a piadas infelizes do tipo que Danilo Gentili fez a respeito dos jogadores de futebol - além de infeliz, sem graça nenhuma, diga-se de passagem. Mas a colunista Barbara Gancia, por exemplo, recebeu dezenas de emails de pessoas criticando a brincadeira que ela fez a respeito da gravidez de modelos.

Alguém precisa explicar a essas pessoas que o humor tem graça justamente porque é politicamente incorreto - o que não é igual a ser preconceituoso, é bom deixar claro. O engraçado é que os "politicamente corretos", que adoram patrulhar as incorreções alheias, são os que se omitem a respeito de questões que realmente merecem patrulhamento e atenção.

Um turista italiano foi denunciado por beijar e acariciar a filha, mas quantos denunciam os maus-tratos infligidos todos os dias a milhares de crianças em todo o país? Quantos se levantaram para questionar a decisão de um juiz que concordou com a tese de dois acusados de pagar pelos serviços de prostitutas menores de idade de que, como elas já se prostituíam antes, não era crime o que fizeram? Sem falar na corrupção e na falta de caráter que grassa nas altas esferas dos três poderes, que não mobiliza uma dúzia de gatos pingados em todo o país.

Deve ser mesmo mais fácil colocar debaixo do tapete da visão politicamente correta, na base do patrulhamento e de leis que estimulam a caça às bruxas dos "incorretos", suas próprias próprias sujeiras e imperfeições, do que enfrentar essas questões, tornando-se capaz de se indignar com o que efetivamente deve ser motivo de indignação e de deixar os demais viverem do jeito que for melhor para eles.